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Sobre aquele Harlem

https://instagram.com/p/0EjYdDHhom/?taken-by=gioalmeida

Desde que cheguei aqui me organizo, me planejo, coloco na agenda o dia de conhecer aquele Harlem. Por diversas razões, não consegui nos primeiros meses como novaiorquina. Acho que a principal delas é que tá longe "pra dedéu" da minha casa. De metrô, são quase duas horas.

Um dos primeiros programas que eu pensei em fazer, naquela região, era assistir à "jazz session" na casa de Ms. Marjorie Elliot. Uma amiga indicou e disse que era um programa imperdível. Sabia que, ao fazer, teria uma experiência linda. Tive um pouco mais que isso.

Todo domingo, há 23 anos, um apartamento do Harlem abre suas portas para músicos, novaiorquinos e estrangeiros, tocarem, ao lado de uma das senhorinhas (bem senhorinha mesmo) mais simpáticas dessa cidade.

Saí do subway e caminhei até uma ruazinha onde encontrei um casarão enorme. Depois de umas pesquisas descobri que essa é o último sobrevivente das antigas construções das famílias ricas de New York (http://www.nycgovparks.org/parks/roger-morris-park). Ao lado, um predinho, local onde deveria estar o tal do jazz. Encontrei outros dois franceses perdidos e perguntamos aos moradores do edifício o andar e a localizacão do apartamento. Lá chegando, nenhum som indicava que estávamos na casa correta. Abrimos a porta e pronto, umas 60 pessoas se espalhavam pelo pequeno imóvel. Da sala de jantar, um som. Por sorte, consegui um lugarzinho lá no meio e pude ver de perto a música que saía de cada um dos quatro instrumentos tocados naquela tarde. Miss Elliot, em sua delicada e pequena estatura, se escodia atrás do piano. Mas dele saíam melodias que deixou muita gente em lágrimas.

No meio do recital, ela se levantou e, com os olhos cheios de água, nos contou que, naquela tarde, as músicas seriam todas em homenagem ao filho, que se encontrava hospitalizado, mas que havia escolhido cada uma das que tocavam ali. Em seguida, quase que como um presente, para ele e para mim, o piano, o violoncelo, a flauta transversal e o violino se encontraram em "Garota de Ipanema". E, dessa vez, foram meus olhos que se encharcaram.

Entre uma melodia e outra, ou um solo brilhante e outro, amigos e familiares de Miss Elliott serviam suco e barrinhas de cereal, como forma de receber bem seus convidados. Um baldinho também passeava pelas pessoas, para que cada um deixasse sua contribuição. Qualquer doação é aceita e ajuda bastante aquela família, que dedica seus domingos, há 23 anos ininterruptos, a levar bom jazz aos ouvidos de quem quiser passar por ali.

Foi lindo e só quem já passou por ali, sabe entender a delicadeza e a experiência única que é. Saí de lá feliz, tão feliz, com o peito cheio de amor, de luz, de fé. Fé nas pessoas, fé na vida, fé na arte. Saí de lá caminhando pelas ruas daquele Harlem, como quem se perde na floresta. Andei, andei, andei, sem rumo,

olhando para os espaços, os rostinhos das crianças, os vendedores de rua, para aquele lugar. Prometi pra mim mesma, não demorarei outros cinco meses para voltar. E na semana seguinte estava lá novamente...


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